A ler:

Les Miserables, Victor Hugo



quinta-feira, 31 de maio de 2012

Red Moleskine



             Blythe Doll Picture by: sallylouvintage.wordpress.com


Noites brancas, sono que nunca vem. Rotina que não existe, tempo que se ocupa sem nada nos ocuparmos. Longe de todos os lugares desconhecidos e descobertas que a faziam sentir em casa, por mais indecifrável que fossem as frases, sempre fora um conforto poder perder-se num mundo diferente e fingir sentimentos novos. Não ter que ser ela própria, nem justificar responsabilidades a ninguém. Era bom que tudo também pudesse ser assim cá como lá. Mudar de vida num segundo, fingir ser a Alana e não a Maria. Fingir uma desorganização doentia e uma voz que não lhe corresponde para poder voltar a sentir aquela adrenalina viciante percorrer lhe o corpo todo. Pois no fim do dia a história era sempre a mesma e a verdade só uma. Era viciada em adrenalina. Muitos confundiam sua estranha maneira de ser com a necessidade de ser o centro das atenções, hoje e sempre, ou simplesmente com o facto de ser uma mentirosa compulsiva. Mas isso dos outros pouco interessa nesta nossa estória.

Foi numa dessas noites perdidas que tudo mudou. Numa simples ida à biblioteca para fingir que estudava como todos os outros quando na verdade apenas se divertia a tentar imaginar a vida de cada um atrás dos ecrãs dos computadores, ou de outros perdidos nas calculadoras e folhas de exames.

Sentou-se numa das mesas reservadas para os grupos de estudo. Sempre com o seu sorriso traiçoeiro e com a resposta pronta de quem sabe muito bem o que quer mas que no fundo só se engana a si própria. Ninguém olhou para ela, pois podia muito bem ser uma simples aluna na qual ainda não tinham reparado. Lugar perfeito, vista para o pátio, ficha tripla para todas as tecnologias necessárias e mais alguma. All set para a sua noite perfeita do seu estudo. As primeiras horas decorreram como planeara: descobriu quem eram os namorados, os pretendentes secretos que se contorciam nas cadeiras quando ela passava, os madrugadores, os chatos, e tudo o resto. Mas como todo o hobby e todos os que ela tinha tido ultimamente, fartou-se. Começou por tirar o livro do saco e tentar ler o primeiro capitúlo sem as habituais interrupções das suas ideias desvairadas. Desistiu mais uma vez, foi fumar o seu primeiro cigarro da noite/dia quando reparou que o lugar do lado já não estava ocupado. Não tinha tido tempo de memorizar os traços, mas do pouco que tinha reparado tinha em mente que era uma rapariga bastante agitada com um perfume parecido com o seu. Cabelo aloirado muito comprido também. O olfato nunca a deixava ficar mal, sempre fora o seu sentido mais apurado e aquele cheiro era sem dúvida inconfundível. Como um toque suave de flores silvestres misturado com uma ou duas gotas de limão. Na verdade sabia toda a composição de cor pois era da sua autoria. Desde pequena que adorava dar aso à suas ideias desta maneira. Tanto que no dia do seu 11˚ aniversario, os pais lhe tinham oferecido um kit completo que ela usava até hoje para poder inventar e manipular todas as fragrâncias que lhe vinham a flor da pele- incluindo o seu próprio perfume. Tinha a certeza de ter reconhecido aquele cheiro único e inimitável que ela tanto tinha demorado a encontrar. A combinação perfeita que mais ninguém poderia ter. Única como ela. Agora na pele de uma estranha que ainda há pouco estava sentada a meio metro dela.
Perdida nos seus pensamentos, só se alertou com o nascer do dia quando reconheceu o palrear dos passarinhos já há muito cansados de cantar. Caminhou até à saída da biblioteca, quando distraídamente tropeçou nalguma coisa. Levantou-se rapidamente e então reparou no que estava caído aos seus pés. Um pequeno Moleskine vermelho com o a sigla da biblioteca. Provavelmente um esquecido por alguém. Nada de especial, por isso não ligou. No entanto a curiosidade falou mais alto, para variar. Voltou-se para verificar que ninguém a estava a observar e apanhou o caderno. Só para ver. De facto não era nada de especial, mas ao folhear as páginas encontrou um cartão de sócio de uma estudante e um velho bilhete de autocarro com destino a Hyde Park.

Lisa Laarsen, sócia numero: S00304951.


O nome obviamente não lhe disse nada/ não lhe lembrou de ninguém mas a sua expressão tinha alguma coisa de familiar. Cá fora, já no seu segundo cigarro, analisou a fotografia com mais calma. Podia muito bem ter entregue o conjunto todo na recepção. Com certeza quem o havia perdido ia voltar a procurá-lo, sobretudo nesta época de exames. Viu então no cabelo comprido com seus reflexos platinados e percebeu todo o ar de mistério que aquela rapariga lhe inspirava. Uma cara angular e pequena, não especialmente bonita mas com uma expressão que lhe chamou à atenção. Como uma mentira descarada que o tempo tinha estampado naquele rosto fora do vulgar. Mas porquê?

Ao chegar a casa, despiu o “disfarce” e enrolou-se nas profundezas dos lençóis, sempre a imaginar todos os enredos mais impossíveis do seu catálogo de filmes favoritos que se aplicassem à situação. Finalmente conseguiu sossegar: sabia exatamente o que fazer com o pequeno caderno e o sono veio sem mais demora.



3 comentários:

pitanambu disse...

um misto de Amelie e Lisbeth, com muita autobiografia à mistura? ihihihi.

fico à espera dos próximos capitulos. beijinhos!*

pitanambu disse...

e adorei a boneca! não sabia que também gostavas das cabeçudas. :)

e <3 moleskines, ptto o resto da história promete.

Unknown disse...

Acho piada as bonequitas,tipo mini pessoas :) espero que o proximo capitulo esteja a altura:ta a ser cozinhado ehehe bisouuu